sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Pedro Malasartes dormiu numa colméia de abelhas

Certa vez, Pedro foi com a mãe a uma festa de igreja, na localidade vizinha de onde morava. Ali, tanta cerveja bebeu que já ao meio-dia lhe andava a cabeça em polvorosa de atordoado que estava. Nem foi só o que fez. Como estava cansado, procurou um recanto com boa sombrinha para roncar uma soneca. Encontrou uma horta silenciosa, onde, aqui e ali, se destacavam vários cortiços de abelhas, alguns deles já vazios. Foi um destes que escolheu para nele repousar. E, de um sono só, dormiu do meio-dia à meia-noite. A senhora Micaela, mãe de Pedro, que procurou por toda a parte seu dileto filho, sem achá-lo, lá pela metade da festa supôs, afinal, que ele já devia estar há muito tempo em casa, quietinho como costumava viver nos últimos tempos.
Como sabemos, porém, longe disso, estava ele mas é continuando a curtir a cerveja que bebera, dormindo dentro da colméia vazia, como um pinto dentro do ovo.
Ora, ali pela meia-noite, apareceram dois ladrões na horta abandonada, com a intenção de roubar uma colméia e vender o mel.
- Levamos a colméia mais pesada, disse um deles. Quanto mais pesada for, mais mel terá.
- De acordo, respondeu o outro.
Em seguida começaram a soerguer os cortiços um por um. O de maior peso foi naturalmente aquele em que dormia o nosso Pedro. Por isso, escolheram-no, e, pondo o pesado cortiço sobre os ombros, carregaram-no da horta para a rua e lá se foram, gemendo e suando sob o peso, rumo de sua aldeia. Pedro acordou, como é natural, e ficou bastante aborrecido com o distúrbio e com o fato de ver-se transportado, na calada da noite, para direção que percebia não ser a sua cidade.
E vai então, depois de algum tempo de caminho, saiu com uma das suas. Pôs cautelosamente a mão para fora da colméia e pespegou um forte puxão nos cabelos do ladrão que ia à frente.
- Ai! Gritou o homem. Você está louco? Disse isso ao outro ladrão, supondo-o, naturalmente, o culpado. E pôs-se a maldizer o companheiro, acusando-o de lhe haver puxado o cabelo.
O ladrão que ia atrás, sem saber do que se tratava, respondeu:
- Acho que você é que perdeu o juízo! Estou me esforçando para levar esta colméia como um carregador de piano e lá vem você com essa de achar que eu teria vontade e tempo para lhe puxar os cabelos! Deixe-se de bobagem!
Pedro Malasartes divertiu-se muito com isso. Depois de algum tempo, resolveu dar outro puxão, não nos cabelos do ladrão da frente, mas no de trás. E deu de fato um puxão tão forte que ficou com um punhado de cabelos na mão.
- Isso agora é demais! Berrou o ladrão maltratado. Primeiro você sonhou que lhe puxei os cabelos e agora quase me arranca o couro cabeludo! Que atrevimento!
- Não diga asneiras, rosnou o outro. Está tão escuro que mal posso ver a estrada, estou segurando a colméia com as duas mãos e ainda você acha que eu poderia esticar o braço para trás e arrancar o couro de seu bestunto! Você está mas é sonhando com assombração!
E assim foram discutindo e dizendo mal um do outro. Era tão engraçado que Pedro precisava fazer incrível esforço sobre si mesmo para não explodir numa gargalhada. Doíam-lhe até os músculos da barriga e fungava baixinho.
Como não era possível rir, Pedro pensou em coisas bem tristes para conter-se. E em vez de rir, o que fez foi dar novo puxão nos cabelos do ladrão da frente, e com tanta violência que a cabeça do coitado bateu como um martelo contra a colméia, quase rachando-a e quase rachando-se.
Enfurecido com a dor, o homem deixou cair a colméia e agrediu, de punhos cerrados, o inocente companheiro. Então este também atirou a colméia ao chão e jogou-se por sua vez contra o primeiro. E rolaram ambos na terra, debatendo-se, arranhando-se, até se perderem, cegos de raiva, na escuridão.
E Pedro Malasartes? Ora! Pedro Malasartes continuou calmamente dentro de sua colméia, contendo o riso, e depois recaiu no sono e dormiu até o despontar do sol.
Só então é que se levantou para prosseguir seu caminho. E note-se que não voltou para a casa da mãe. Entrou a serviço de um Cavaleiro Andante, como cavalariço, muito embora não soubesse cavalgar. Não demorou, por isso, que o tal Cavaleiro o expulsasse do seu castelo, como quem atira fora uma coisa inútil.